Tanque de Betesda
Por Pr. Eder L. Souza.
João,
no capítulo 5 de seu evangelho, nos fala da cura milagrosa de um paralítico por
meio de Jesus. O lugar do milagre já pode ser identificado atualmente, devido a
escavação, em 1888, de um tanque igual ao descrito por João, localizado a
nordeste de Jerusalém, perto da Igreja de Santana.
Há diversas variantes do nome do tanque nos manuscritos[1]. Estudiosos sugerem Betezata ("casa das bolhas")[2], como também Betesda ("casa da misericórdia").[3]
O texto que temos hoje em mãos, de diversas traduções, alude no versículo 4 que "um anjo descia de tempos em tempos, agitando-a; e o primeiro a entrar no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse"[4]. Contudo, este versículo talvez não seja original[5], provavelmente foi acrescentado ainda cedo por algum escriba familiarizado com a tradição de cura em Betesda/Betezata. Tal versículo esclarece o comentário dos versículos 3 e 7, que, de outra forma, seria incompreensível.[6] Ele explica a resposta do paralítico à Jesus ao perguntar-lhe se "quer ser curado?" (v.6), o qual responde: "não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada". O versículo 4 responde o porquê ele queria ser colocado no tanque, como também o motivo de estar ali uma multidão de enfermos (v.3).
A maioria dos estudiosos contemporâneos entendem que o relato de anjos agitando as águas era uma crendice advinda de religiões pagãs da época. Havia santuários de cura espalhados por todo o mundo antigo, especialmente em torno do culto a Asclépio[7] (o deus greco-romano da medicina). A maioria desses santuários exigia que os suplicantes se purificassem na fonte anexa ou em alguma outra fonte de água.
J. Rendel Harris (curador de manuscritos) encontrou, em diversos lugares do Oriente, evidências de uma superstição no sentido de que, no Ano Novo, esperava-se um anjo que agitava as águas de certas localidades, capacitando uma pessoa a obter a cura se fosse a primeira a entrar na água depois desse movimento."[8] "Escavações no local revelaram que um ritual medicinal tomava lugar ali durante o período romano"[9].
Ademais, tais informações combinam com o possível nome dado ao lugar: Betezata ("casa das bolhas"). Este nome parece aludir que o tanque era alimentado por uma nascente intermitente, que gerava bolhas nas águas ao começar a fluir. Possivelmente, os crédulos da época, ao ver as bolhas consideravam tal fenômeno como se fosse ação divina/angelical.
Ainda, no versículo 14, João relata que Jesus rencontrou o ex-paralítico no templo e que o Senhor lhe aconselha a não pecar mais. Muitos interpretam isto como uma indicação de que sua extensa enfermidade (38 anos) havia sido uma punição divina por algum pecado que ele havia cometido. Contudo, tais palavras podem estar se referindo à crendice pagã a qual o ele depositara fé. Portanto Jesus estaria o advertindo a não mais cometer o pecado da idolatria (e qualquer outro pecado, é claro, contra lei de Deus), buscando soluções fora de Deus.
Por certo, parece-nos que ali era um espaço utilizado como santuário de cura pagão. Devido à tendência antiga de reutilizar velhos santuários, é possível que a comunidade judaica, no tempo de Jesus, considerasse esse tanque um lugar de cura. As autoridades do templo sem dúvida não aprovavam isso – afinal de contas, os tanques sagrados em santuários de cura eram característicos dos cultos gregos, como o de Asclépio – mas a religiosidade popular em geral (principalmente pessoas desesperadas por cura) ignora as contradições entre as religiões, que são mais claras para os líderes espirituais.[10] Enfim, Jesus ao cura-lo mostra-se àquela multidão como sendo superior às suas crenças.
Digno de nota, também, é o paralelo com contrastes entre personagens que João faz. Esse método era um recurso retórico e literário comum na Antiguidade.

fonte: Keener, 2017, p.312.
Há, também, uma intrigante sequência de eventos relacionados a água. No capítulo 2, João mostra Jesus usando as águas que eram empregadas na purificação para realizar o milagre que deu início ao seu ministério miraculoso. No capítulo 3 (v.5), fala de uma água (espiritual) à Nicodemos. Em 4.13,14, ele substitui a "água sagrada" de um lugar sagrado para os samaritanos. Aqui (cap. 5), é Jesus, e não as águas supostamente miraculosas do tanque, quem restaura a saúde do homem.

fonte: Bíblia de Estudo Cronológica – Aplicação Pessoal.
[1] "Um dos mais antigos manuscritos do NT (Códice Sinaiticus), e um outro manuscrito grego posterior, e também Eusébio trazem Bethzatha (o nome da extensão norte de Jerusalém de acordo com Josefo - Arndt, p. 139) ao invés de Bethesda. Este nome foi incluído em recentes edições dos textos gregos" (Dicionário Bíblico Wicliffe, 2007, p.290)
[2] O comentário Moody sugere que o significado de Betezata seja "Casa das Oliveiras".
[3] Lawrence O. Richards. Comentário histórico cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, página 210.
[4] NAA
[5] Conforme as notas na maioria das traduções e obras eruditas.
[6] Keener, 2017, p.312
[7] Ibidem.
[8] MOODY
[9] Enciclopédia Judaica (apud. David Stern. Comentários judaico do novo testamento. São Paulo: Atos, 2007, p.196).
[10] Keener, 2017, p.312