
SURGIR DA FÉ, ouvir
De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus. Romanos 10:17
Será que ao dizer que "a fé é pelo ouvir" Paulo está dizendo que as pessoas com problemas auditivos não podem ter fé? Ou ainda, que a evangelização, se não for de uma forma sonora e audível, não tem chance alguma de obter êxito?
Ao ler por completo o capítulo 10 da carta aos romanos - principalmente entre os versículos 13 a 17 - notamos que a intenção de Paulo não era limitar a maneira que se dá o surgimento da fé. Tal versículo (17) faz parte de um encadeamento retórico qual expressa apenas o óbvio (aquilo que é evidente) de maneira despreocupada e simples. Não era limitar a forma do nascimento da crença em cristo por somente a palavras audíveis, e nem o poderia ser, pois nos evangelhos vemos vários exemplos de surgimento de fé por outros modos; de pessoas que, por exemplo, passaram a crer em Jesus, não porque ouviram ele ou sobre ele, mas, porque viram (presenciaram) algum milagre. Veja alguns exemplos do Evangelho segundo o apóstolo João:
Jo 2:23 Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome;
Jo 11:45 Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele.
Jo 20:29 Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram.
O que Paulo quis dizer é que só podemos crer (acreditar, ter fé) em alguma coisa se formos informados sobre tal realidade (a existência desta coisa). Pois como crer em algo que não faz parte da minha realidade, algo que nunca passou por meus pensamentos? Veja! Todos aqueles cujas faculdades cognitivas estejam funcionando adequadamente têm capacidade de terem fé em Jesus, porém, para que a fé em Jesus chegue a acontecer, primeiramente, faz necessário que a informação de que Jesus exista, e de que ele é o messias, chegue até o indivíduo. Isso faz parte do método natural do processo de formação de crenças (que a informação chegue para que seja processada e possibilite a crença). Não somos oniscientes! Necessitamos da informação! E Paulo deixa isso claro fazendo menção desse processo (Rm 10.14), nos informando que não tem como crermos em algo do qual nunca fomos informados, qual nunca chegou o nosso conhecimento ou nunca pensamos sobre. Veja o comentário de Craig S. Keener sobre Romanos 10.14,15.
"Paulo apresenta um encadeamento retórico em 10.14,15 que teria impactado os antigos ouvintes. Ele mostra as implicações de Joel 2.32: a salvação é destinada a toda aquele que a buscar, seja judeu, seja gentil, mas a disponibilidade da salvação pressupõe que eles devem ter a oportunidade de ouvir a mensagem (...) Isaías 52.7 anunciou que havia boas-novas, mas os arautos tinham de levá-las às pessoas."[1]
É importante, também, se ter em mente que "naqueles tempos" o modo de informar as pessoas; a forma de comunicação mais comum (mais utilizado), era o "falar", era palavras audíveis. Não tinha computador, internet, televisão, nem se quer, cinema mudo, e livros ou similares eram raros. E, mesmo tendo tudo isso, e mais, em nossos dias, o modo de informação mais comum é ainda pelo falar e ouvir. Portanto, é muito compreensível a forma despreocupada de Paulo ao escrever esse versículo fazendo uso da maneira mais comum em seu discurso a respeito da formação da crença.
Portanto, para se crer (ter fé) em Cristo Jesus, se faz necessário que o indivíduo tenha a informação de que ele existe. Talvez, uma melhor interpretação do versículo seria: "que a fé é (só é possível) após ao obter a informação, e a informação necessária é a palavra de Deus (o antigo e o novo testamento, pois lá está toda informação imprescindíveis - a promessa e o cumprimento da vinda do Messias)". Dessa forma, a fé, ou o surgir dela, também o evangelismo, não fica limitada apenas a palavras audíveis e nem impossibilitada às pessoas com problemas auditivos.
Por pr. Eder L. Souza, editado em 13/05/21.
[1] [1] Keener, C. S. (2017). COMENTÁRIO HITÓRICO-CULTURAL DA BÍBLIA. São Paulo: Vida Nova. (Itálicos nossos)