O Arrependimento de Deus

22/12/2019

A Bíblia diz em muitos lugares que Deus "arrependeu-se". Ele arrependeu-se de ter criado os seres humanos (Gn 6.6); se arrependeu do mal que dissera havia de fazer ao povo de Israel (Êx 32.14) Ele arrependeu-se da promessa que fez de destruir Nínive (Jn 3.10); Ele arrependeu-se de ter feito Saul rei (1 Sm 15.11). Porem, ela (a Bíblia) também diz que Deus "não é um homem, para que se arrependa" (1 Sm 15.29; cf. Nm 23.19). Deus não é onisciente? E um Ser onisciente pode mudar de opinião ou arrepender-se? - Se mudasse, ele não seria realmente onisciente. Deus é imutável e o seu conhecimento é idêntico à sua essência. Deus sabe tudo em um eterno Agora, inclusive o passado, o presente e o futuro. Deus conhece o futuro antes de acontecer no tempo. Um ser assim faz tudo de maneira consciente e firme, jamais teria motivo de arrependimento em seus atos e decisões. Então... como explicar essas passagens?

Antropomorfismo

A Bíblia foi escrita através de inspiração divina por humanos, para os humanos, com idiomas e línguas humanas muito limitadas para uma determinada compreensão. Não é de se estranhar que, por vezes, se fala de Deus em termos humanos. O "arrependimento" de Deus não deve ser considerado mais literalmente do que o "esquecimento" de Deus (Is 43.25). São metáforas. A Bíblia diz que Deus "não é um homem, para que se arrependa" (1 Sm 15.29; cf. Nm 23.19). Se isto é literal, então é ridículo dizer que Deus na verdade se arrepende. Estas expressões são antropomorfismos (falar de Deus em termos humanos) que não devem ser consideradas mais literalmente do que quando o texto bíblico diz que Deus tem "asas" (Ex 19.4), "mão" (Nm 11.23) ou "olhos" (Hb 4.13), sendo que Deus é espírito (Jo 4.24).

A palavra hebraica, nacham, "arrepender", significa "suspirar, sentir muito, lamentar", e, quando usada a respeito de Deus, indica uma mudança de planos com relação aos instrumentos ou agentes humanos. O Senhor é imutável em seu propósito último para o gênero humano, e é de natureza invariável. Mas, quando se leva em conta que os homens mudam em sua resposta a Deus, torna-se necessário que o Senhor mude seus métodos de lidar com eles. Neste caso, deve tomar um curso de ação diferente para permanecer fiel ao seu propósito e natureza inalteráveis.

Gêneses 6.6 então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração.

Como expresso acima, o "arrependimento" divino não brota da tristeza por más ações ou escolhas feitas por Deus. As mudanças na relação do homem com Deus resultam em mudanças nos procedimentos de Deus com o homem. Quando o homem se afasta de Deus para o pecado, Deus muda a relação de comunhão para uma relação de repreensão julgadora. Quando o homem se afasta do pecado para Deus, este estabelece uma nova relação de comunhão. Este é o arrependimento divino. Uma "mudança de estado", de "método", mas não de Seu proposito ultimo e Sua natureza.

Visto que o ser humano se tornara "carnal" entrando no estado da relação de repreensão julgadora. Deus diminui seu tempo de vida para "cento e vinte anos" (Gn 6.3), e "que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração" (Gn 6.5, 11,12) Ele decide "dar cabo de toda carne" (Gn 6.13). "Porém Noé achou graça diante do SENHOR" (Gn 6.8)

Jonas 3.10 Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez.

Assim como Gêneses 6, a população de Nínive estava sobremaneira corrompida (Jonas 1.2), onde Jonas é enviado a proclamar que ela seria "destruída" (JN 3.4; NVI; NTLH). Porém, eles se arrependeram, o decreto de grau máximo proclamado pelo "rei e seus grandes" (JN 3.7; "seus nobres", ECA; NVI) evidencia o desespero induzido entre os ninivitas pela pregação de Jonas. Eles se arrependeram de coração, e o fizeram em esperança com fé. "Quem sabe", declarou o rei, "se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?" (JN 3.9). Declarar que Deus talvez se arrependesse significa que, caso eles atendessem seus conselhos, o Senhor poderia alterar o seu curso de ação. A significação da passagem fica evidente por esta tradução: "Quem sabe Deus volte atrás e revogue sua sentença contra nós (quando satisfizermos suas condições) e abandone sua raiva ardente, de forma que não pereçamos?" (ATA).

Com misericórdia, Deus ouviu o clamor dos suplicantes ninivitas e viu que as obras deles mostravam sinceridade de arrependimento, porque eles se converteram do seu mau caminho (cf. Mt 3.8; Tg 2.18). Arrependimento com esperança e fé sempre chama a atenção do Senhor. Pelo o arrependimento de Nínive Deus também "se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria" (JN 3.10), ou seja, Ele toma um curso de ação diferente para permanecer fiel ao seu propósito e natureza inalteráveis. (Jr 18.6-10; JL 2.13,14). Essa passagem demonstra que Deus não muda. Pois se Deus não tivesse "preservado", tido misericórdia dos ninivitas, diante de seu arrependimento genuíno, isso teria sido contra o seu caráter. (Sl 34.18; 51.17; Is 66.2; Lc 15.10). O fato de Deus não ter cumprido algumas ameaças não significa que Ele "mudou", pois embora a condição possa não ser expressa, deve ser entendida como tácita e implícita por motivo de sua natureza e caráter ( Jr 18.6-10; JL 2.13,14).

A graça perdoadora de Deus pelos ninivitas penitentes nos mostra que o Senhor chama todos os homens ao arrependimento e promete sua graça a todos os que se arrependerem: "Vinde, então, e argui-me, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã" (Is 1.18). Esta chamada ao arrependimento e certeza de perdão está no centro da mensagem cristã (Lc 5.32; Lc 24.46,47).


1 Samuel 15.11 Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras. Então, Samuel se contristou e toda a noite clamou ao SENHOR.

Saul agora enfrentava a sua prova final. Ele fora avisado em muitas ocasiões, mas tinha fracassado repetidas vezes. O Senhor disse a Samuel: "Arrependo-me de haver posto a Saul como rei" (11) - mais uma vez aqui, a palavra "arrepender-se" indica uma mudança de planos, um agir diferente de Deus em relação a Saul a partir daquele momento. As mudanças na relação de Saul com Deus resultaram em mudanças nos procedimentos de Deus com o ele.


Êxodo 32.14 Então, se arrependeu o SENHOR do mal que dissera havia de fazer ao povo.

Os capítulos 32 a 34 mostram a apostasia de Israel enquanto Moises estava no monte, também narram a subsequente restauração. Essa mudança da relação de Israel com Deus estava para mudar o procedimento de Deus com Israel (Êx 32.10). "Porém Moises suplicou ao Senhor" (Êx 32.11), e Deus o ouve. Aqui a alusão do "arrependimento divino", indica que Deus, pela intercessão de Moisés, agiria diferente daquilo que eles mereciam ("para que se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma" Êx 32.10).

Essa era uma ótima oportunidade para Deus reforçar o comprometimento e a coragem de seu servo Moises, e essa maneira que Deus utilizou para se comunicar com Moisés e relatando o ocorrido foi justamente o que Ele fez. Ele reputa Moises como líder e libertador desse povo (Êx 32.7), a atitude mais fácil para Moises era negar maiores responsabilidades e aceitar Sua proposta de um povo a partir de seus próprios descendentes (de ti farei uma grande nação v.10). Porem ele é aprovado no teste, rejeitando a oportunidade de glória egoísta e se preocupando com a imagem de Deus perante aos outros povos (Êx 32.12). Certamente Deus teria cumprido a ameaça se Moises não tivesse intercedido. Deus conhecia seu servo, sabia que ele passaria no teste e que se tornaria mediador, ainda mais comprometido, que intercederia por Israel. Assim Moises ao relatar o ocorrido diz que Deus "arrependeu-se", uma expressão antropomorfa para descrever a mudança de ação de Deus em relação aos israelitas, visto que ocorreria uma mudança neles. Novamente, os propósitos eternos de Deus não mudam, mas ao tratar com seres inconstantes, o seu modo de agir deve ser adequado conforme suas inconstâncias, para o objetivo final ser alcançado. Moisés necessitava daquela ameaça para o seu crescimento.

Norman Geisler fala o seguinte sobre o "arrependimento" de Deus:

"Quando a Bíblia diz que Deus "se arrepende", está falando antropopaticamente, quer dizer, em termos humanos. Deus parece mudar, quando a verdade é que os seres humanos mudam, da mesma maneira que o vento parece mudar quando nos voltamos em direção oposta. Deus tem ira imutável do nosso pecado e prazer imutável em nosso arrependimento. Quando nos arrependemos, nós simplesmente passamos de um atributo imutável de Deus para outro. Quando a pessoa se move em relação a um poste, o poste não se move."

"Entendemos as declarações sobre a fisicidade de Deus - olhos, ouvidos e mãos - com metáforas das suas ações e capacidades. Semelhantemente, entendemos as limitações mentais de Deus - arrepender-se, esquecer-se, mudar de opinião - também como metáforas. É a diferença entre ver Deus de baixo e vê-lo de cima. Entender de outro modo é inevitavelmente criar um Deus finito."

Pelo pr. Eder L.Souza.

Referências

Champlin, N. (2001). Comentário de Champlin versículo por versículo. São Paulo: Hagnos.

Champlin, R. N. (s.d.). Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Hagnos.

Comentário Bíblico BEACON. (s.d.). CPAD.

Geisler, N. (2010). Teologia Sistemática Introdução À Teologia - A Bíblia, Deus, A Criação. Rio de Janeiro: CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus).

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