BATISMO DE FOGO

Mateus 3.11 "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo" (cf. Lc 3.16)

Há uma polemica acerca do uso que alguns fazem sobre o termo "batismo com fogo". Este uso (também as interpretações dele) geralmente é referente às palavras do profeta João Batista, relatado nos evangelhos (mais especificamente por Mateus e Lucas). Duas interpretações são mais recorrentes, ambas defendidas por pastores e teólogos devotos e sinceros. São elas:

• Um único batismo de benção - De maneira que a palavra "fogo" contém as ideias da iluminação, o calor e a purificação da entrada de Jesus Cristo no coração do homem. O fogo é um símbolo de purificação e poder.[1]
• São dois batismos (um de benção, outro de punição) - De maneira que os ímpios são batizados, ou imersos, no fogo, mas os justos, no Espirito Santo.[2]

O argumento mais utilizado, e de maior peso, para a defesa da primeira interpretação do uso da palavra "fogo" neste versículo, é o argumento linguístico, onde em"...batizará com o Espírito Santo e com (gr. kai) fogo. ", o texto original grego também pode ser traduzido utilizando-se apenas a palavra/conjunção 'e', ficando assim: "...batizará com o Espírito Santo 'e' fogo. ". Deste modo indicando que a intenção de João Batista era falar apenas de um batismo, onde "fogo" indica o caráter do batismo do Espirito, e, quanto aos seus efeitos seria isso a purificação do povo de Deus (na qualidade de fogo produziria a purificação).

Já, a defesa da segunda opção é a forma empregada da figura do fogo no contexto da passagem. Vemos João utilizando a figura do fogo, tanto no versículo anterior como no posterior, com sentido de punição para àqueles que não se arrependeram de seus pecados.

10 Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.

...

12 A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.

Tendo em mente todo o contexto, também o caráter do ministério de João Batista, realmente parece ser o caso de que ele nessa passagem aponta dois tipos de batismos figurativos. Um de benção (com o Espírito Santo) e outro de punição (com fogo). Veja! Ele estava direcionando suas palavras aos fariseus e saduceus - religiosos hipócritas de sua época (v.7 "Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? ") -, os adverte e os chama ao arrependimento (versículo 8) - isso era uma parte essencial de seu ministério ("converter os desobedientes à prudência dos justos" cf. Lc1.17). E, com esse intuito, os alerta a serem rápidos à se arrepender (v.10 "Já está posto o machado à raiz das árvores"), uma vez que quem viria após ele era dotado de autoridade/poder para aprova-los, e conceder-lhes o Espírito (batizará com Espírito Santo), como também para reprovar lhes, dando seu castigo merecido (com fogo) por não haverem se arrependido (v.10-12). - Em Jesus, na realidade, nos defrontamos com a " bondade e a severidade de Deus" (Rm 11:22), e esta dupla verdade percorre todo o Novo Testamento, especialmente o evangelho de Mateus (contrastar, por exemplo, Mt 11:29; 25:41).

Tanto Batista como esses religiosos aguardavam o cumprimento das profecias quais os profetas haviam predito, que o Espirito de Deus seria derramado sobre os justos quando Deus estabelecesse seu reino em Israel (Is 44.3; Ez 39.29; J12.28). Eles também tinham em mente que foi prometido "fogo" contra os ímpios (Is 26.11; 65.15; 66.24; Jr 4.4; 15.14 etc.). Compare Ml. 4:1 (um capítulo que no N.T. foi aplicado a João Batista; Lc. 1:17). Portanto, essa parece ser a interpretação mais acertada acerca do versículo em análise.

No entanto, não é errado falar que Deus "batiza com fogo" no sentido de ser algo bom; no sentido de uma capacitação, purificação ou enchimento de poder (como no literal batismo com o Espírito Santo). Não podemos utilizar desse texto (da fala de João Batista) para isso, entretanto, podemos fazer uso desse "modo de falar" que não seria estranho/contrário às Escrituras, pois é uma prática normal nas escrituras a colocação alegórica das nomenclaturas "batismo" e "fogo". Segue abaixo alguns exemplos:

Utilização alegórica do termo "batismo":

• Mt 3.11 o próprio "batismo com o Espírito Santo" é uma maneira alegórica de se mencionar uma das formas do agir do Espírito Santo, a qual é a manifestação de seu poder miraculoso/sobrenatural através do crente. Em outras palavras, é o Espírito Santo enchendo o crente de Poder. Um acontecimento que é cumprimento daquilo que tinha sido prometido (Is 44.3; Ez 39.29; Jl 2.28,29).
• Rm 6.3-4 aqui é usado para simbolizar a morte para o pecado ("fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, ... como Cristo foi ressuscitado ... também nós vivamos uma vida nova.". NVI).
• 1Co 10.1,2 "estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem como no mar".
• 1Co 12.13 chama-se de "Batismo no Corpo de Cristo" (cf. Gl 3.27). Uma forma simbólica de falar sobre àquele que se converteu à fé cristã, pois agora ele está no "corpo" de cristo; "imerso" nesse grande conjunto de pessoas que creem nEle para a salvação.

Utilização alegórica do termo "fogo":

• Ex 24.17; Ml 3.2,3 - "Ele (Deus) é como fogo", e sua palavra (Jr 23.29) utiliza a figura/imagem poderosa que o fogo tem (cf. Is 64.2; Sl 18.8; 83.14,15; Tg 3.6).
• Ex 3.2; 19.18 - Deus aparece a Moisés "em uma chama de fogo, no meio de uma sarça"; em Atos 2.3 novamente, como "línguas, como de fogo" batizando-os com o Espírito Santo; em Hb 12.29 "Deus é fogo consumidor" (cf. Dt. 4:24).
• Is 10.17 Deus aqui foi chamado de "Luz de Israel". Seu fogo de julgamento consumiria os pagãos tão ferozmente como se seus invencíveis exércitos não passassem de um simples canteiro de sarça. Is 33.14; 66.16; Sl 21.9 - fogo simbolizando punição; O fogo é a forma final de julgamento (veja Ap. 20:10,14) por isso o escritor de Hebreus nos adverte - "tende cuidado" - para não rejeitarmos a Cristo (Hb 12.25-29).
• Sl 66.10-12; Zc 13.9 - simboliza circunstâncias difíceis que purificará seu povo (cf. Nm 31.23; Jó 23:10; Pv 17:3; Is 48:10; Ml 3:2,3; Mc 9.49; 1Co 3.11-15; 1Pe 4.12; Ap 3.18).

Reitero que, não é errado biblicamente falar que Deus batiza com fogo no sentido de ser algo bom, significando o fogo do Espírito Santo consumindo a natureza carnal, queimando e expulsando o pecado da vida da pessoa possibilitando uma vida nova, (1) Deus sendo fogo (Ex 3.2; 19.18; Hb 12.29); (2) Ele nos tomando por completo, de maneira que somos submersos nEle ou por Ele (Ex 24.16; 35.31; Is 6.3; Lc 2.40); por conseguinte é mui racionalmente aceitável se expressar de maneira figurativa acerca de um batismo de fogo divino como sendo algo bom. Ainda mais quando temos em mente o início da igreja, e como aprouve ao Senhor realizar o primeiro batismo com o Espírito Santo sobre os fiéis da época - com "línguas, como de fogo" (Atos 2.3).

Por pr. Eder Souza, 01/04/2021.

[1] Pastores, teólogos e comentários analisados para esse artigo que defendem a ideia de um único batismo: Carlos Augusto Vailatti (vídeo em seu canal no youtube); Norman Champlin; F. Davdson; William Barclay; comentário BEACON.

[2]Pastores, teólogos e comentários analisados para esse artigo que defendem a ideia de dois tipos de batismos: Professor e pastor pentecostal Craig S. Keener; Russell Shedd; Bíblia de Estudo N.T.L.H; Moody (comentário em Mt 3.11 está claro seu entendimento, porém sobre Lc. 3.16 não parece ser o caso).